Este sapato tem a sua história:
A minha avó mostrou-o numa das mãos: Este sapato, tal como o vês, tem a sua história. E contou-me que aquele sapato pertencera a António, que não conseguia esquecer. Por vezes, disse-me, deitava-se na cama com o sapatinho pequeno entre as duas almofadas: a dela e a do meu avô, que mantinha o seu lugar na cama intacto, mesmo já lá não dormindo há tantos anos. E assim adormecia, com o marido e o filho juntinho de si, imaginando-os felizes ao rirem-se dela e da sua falta de oportunismo para finalmente ocupar a cama inteira. Uma noite, no silêncio do pequeno apartamento onde agora vivia sozinha, jura tê-los ouvido a rir. “Eram eles”, disse-me. “O teu avô e o teu tio que eu bem os ouvi”. Quando acordou, o sapatinho continuava no mesmo lugar, entre as duas almofadas. Inexplicavelmente, dentro de um deles, repousava uma pétala de rosa amarela. “Eram as flores que o teu avô me dava sempre”, explicou-me em lágrimas. “Nos dias em que as saudades do meu António apertavam, eram rosas amarelas q